Novo testamento

Hoje permiti-me chorar...

Beijo do Hotel de Ville- fotografia de Robert Doisneaente.

Em meio as injurias, desastre e desavenças da vida cotidiana, vez ou outra nos deparamos com situações que fazem-nos recordar de nossa pequenez humana.

Para mim, caro leitor, hoje foi um dia do qual me deparei com um sentimento por muitos esquecido, o amor.

Amor que vai além de romantismo meloso ou sentimento meramente carnal.

O exemplo de amor que deparei-me no dia de hoje pela manhã, foi aquele que nos faz ver o quão distante estamos da pureza desse sentimento tão grandioso que preenche o vazio da existência humana.

E preencher não no sentido de "ser", muito menos no de "ter", mas sim, no mais brilhante e puro anseio de "doar-se".

Peço a sua licença para que você possa também ler com teus olhos o amor de Ives Gandra da Silva Martins para com sua falecida esposa, Ruth Vidal da Silva Martins.

Novo Testamento

por Ives Gandra

O meu triste testamento

Fiz em pobre documento,

Versado em versos pra ti,

Certeza eu tinha que iria

Bem mais cedo, em qualquer dia

Deixando-te só aqui.

Disse, então, que minha vida

Valeu antes da partida

Pelo amor que me ofertaste,

Ficava-me a gratidão

De teres teu coração

Me dado, tal flor em haste.

Lembrei-te que meu trabalho

- Ao teu lado eu pouco valho -

Foi simples, mas sempre honesto,

Eu lutei pelo Direito,

Pelo bem, mesmo imperfeito,

O mal pisando de resto.

Foste primeiro, eu fiquei,

Hoje, mendigo e não rei,

Por não te ter mais do lado

E o meu pobre testamento

Rasguei pelo sofrimento

Da perda do ser amado.

Hoje, sigo pela trilha,

Que mostra nossa família

Para seguir a lutar,

Como um mero cidadão,

Ao poder dizendo não,

Quando do povo abusar.

Até quando Deus quiser,

Com saudades da mulher

A quem amo loucamente,

Lutarei, velho e cansado,

Nossa Senhora do lado,

Que me leva para a frente.

Assim, vou dia após dia,

Na certeza da alegria

De encontrar-te no futuro,

Sabendo que tu me esperas

E este inverno em primaveras

Fará claro o que era escuro.

São Paulo 12 de novembro de 2022.

Se um dia eu também puder amar assim como o saudoso Doutor Ives, meu dever terreno estará cumprido e, em paz, poderei entregar minha insignificante alma.