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Dias de exposição ao vírus

Cada palavra escrita aqui não sabia o que ainda vinha pela frente. Poucos dias após ter terminado esse texto, José Carlos Firmino Bento, meu padrasto, nos deixou sozinhos na batalha desse mundo.


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O Médico- Luke Fildes


Dias comuns tem se passado na realidade em que estamos vivendo, comuns no sentido de um novo normal. Mudamos de casa durante a semana do dia 25 ao dia 30 do mês de maio.

Como toda mudança de casa, várias pessoas estiveram presentes, mas é claro, todas com máscaras e tentando ter o maior distanciamento possível, ainda assim a incerteza batia a porta. O medo, é claro, é constante, porém a vida ainda deve seguir mesmo que doa no psicológico.


Durante esses dias de mudança o irmão do meu padrasto fez exames com amostras swab nasofaringe para obter resultados de uma possível infecção pelo novo vírus que circula em nosso meio. Todos deram negativo, logo, por seu sobrepeso, foi agraciado com a possibilidade de vacinar-se.


Assim o fez, realizando o sonho de tantos em todo o mundo, no dia 28 do mês de maio ele foi vacinado com o imunizante produzido e desenvolvido pela Universidade de Oxford, AstraZeneca, a partir desse dia de manhã, todo o pesadelo teve início.


No domingo seguinte, dia 30 do mesmo mês já citado, meu padrasto, que trabalha com o irmão recém vacinado, começo a demostrar sintomas gripais, porém nada de muito alarmante já que estamos no clima seco e frio do inverno.


Na primeira segunda-feira de junho, Marcelo, irmão de José, meu padrasto, veio até nossa nova casa para buscar um funcionário e leva-lo ao serviço. Ele apresentava cansaço, falta de ar, tosse e vários outros sintomas, como se tivesse infectado, porém acreditávamos ser apenas efeitos colaterais, tanto nós familiares e funcionários, quanto o próprio médico dele e agora nosso também, o Doutro Luiz Fernando Dias Rodrigues.


José vinha em uma crescente piora, começando a nos preocupar quanto as suas tosses contínuas, porém as dores em sua testa ainda nos levavam a acreditar que nada passasse de uma sinusite forte, comum no clima em que estamos e no serviço de terraplanagem que ele e seu irmão prestam.


Com Marcelo estando pior a cada dia, o Dr. Luiz Fernando decidiu fazer exames mais a fundo, exames que iam além do RT-PCR, famoso “teste do cotonete”, ou até mesmo do teste de sangue para detectar o vírus, já que todos esses só traziam resultados não reagentes. Desta vez ele pediu que Marcelo fizesse uma tomografia do seu tórax da qual o resultado não foi nada agradável.


Os pulmões dele estavam 25% comprometidos com o vírus, fazendo que o médico intensificasse o tratamento, o dispensou de ficar internado, porém o mandou para casa com medicamentos e equipamentos para o tratamento da doença semelhantes ou até mesmo melhores do que os encontrados na Santa Casa de Misericórdia de Itápolis.


Infelizmente o quadro dele veio a piorar ainda mais, porém o motivo era claro para todos. Marcelo hesitava em fazer as inalações e era relutante com as medicações prescritas pelo médico. A teimosia do homem moderno mostra-se ser a maior causa de morte em meu ponto de vista.


Essa autossuficiência é extremamente perigosa, além de negarem a criação, os milagres divinos, negarem os santos e santas da fé verdadeira e até mesmo o próprio Deus onipotente, agora a humanidade tem se achado no direito de negar o tratamento desenvolvido e praticado pela ciência e por profissionais da saúde que tem uma vida toda de experiência na área. Isso beira a insanidade.

Por toda essa teimosia e pela piora do seu quadro clínico, o médio deu preferência em internado, porém não haviam mais leitos em Itápolis, e seu quadro se mostrava ser de extremo risco, com seu sobrepeso e a doença já tão avançada ele precisava de um cuidado intenso o quanto antes. Sua saturação beirava os 84, o que ajudava a deixar toda a situação mais tensa e urgente.


Com uma vaga disponível em Ibitinga, cidade vizinha a Itápolis, ele foi internado no dia 04 de junho, sexta-feira seguinte ao feriado de Corpus Christi. Mas a essa altura a situação em minha casa já estava beirando o caos.


Na quarta-feira anterior ao feriado minha mãe começou a sentir uma dor de garganta, nada sério que nos alarmasse. Durante a procissão com o Santíssimo na quinta-feira eu comecei a sentir também um incômodo em minha garganta. Agora com ambos sentindo o que poderia ser os primeiros sintomas, nos isolamos e preferimos garantir a segurança dos nossos próximos.


Minha noiva, Graziele, preferiu ficar conosco e dar todos os cuidados possíveis para nosso maior conforto. Mulher forte, que não teme a doença e a morte.


Meu padrasto fez o exame no feriado, à noite, um enfermeiro de uma farmácia local veio até nossa casa. A farmácia de chama Farma Vida, e o enfermeiro prefiro não mencionar, para ele meu repúdio. Despreparado, sem luvas, com uma máscara descartável já com manchas de sujeira, coletou o material para o exame de José, o exame era o RT-PCR, pingando a amostra na paleta de teste, sem esperar um segundo se quer, juntou seus equipamentos, disse ser negativo o resultado, fez o recebimento do serviço prestado e foi embora.


A madrugada de sexta-feira foi cruel para nós. Em claro, com febre, tremores, mal-estar, dores de garganta e de cabeça. Eu e minha mãe Aurea sofremos, mas vencemos essas horas malditas que pareceram durar dias completos.


Ao amanhecer, já nos isolamos mais ainda e não fomos trabalhar, tínhamos em mente que poderíamos estar acometidos com o vírus.


Dia longo, horas incontáveis, ansiedade saltando ao peito. Medo, incerteza. O vírus em si não te derruba, porém, seu psicológico tem esse poder com facilidade. As cenas assistidas na tela da televisão vêm à mente. Morte, essa é a certeza, se não ela, ao menos o sofrimento.


Conseguimos marcar uma consulta com o Dr. Luiz Fernando para sexta-feira mesmo, ainda de manhã fomos até seu consultório. Não o conhecia pessoalmente, homem que aparenta beirar a loucura e o desequilíbrio, mas fala nossa língua, se comunica e explica tudo o que precisamos saber. Se doa de corpo e alma, sem ter um olhar ambicioso. Ao menos a nós foi solícito, pagamos a consulta de minha mãe e saímos de lá com seu telefone particular para que ele acompanhasse nossa rotina e também com receitas de medicamentos para José e para mim.


Mesmo sem termos feito exame algum ainda, ele preferiu “ganhar um dia” já nos medicando, ao invés de esperar o resultado e deixa que o dia passasse em branco.


Fomos do consultório direto para farmácia. Tomamos uma injeção de Permese e saímos com os medicamentos para uso via oral: Astro, Ivermectina, Vitamina D 10.000 UI, Vitamina K2 100 MCG e Imuno TF 100 mg.


Já devidamente medicados passamos uma noite bem mais tranquila. Na aurora do sábado estávamos bem melhores, eu mesmo tinha apenas rouquidão e um leve incomodo na garganta, porém minha mãe tinha muita tosse, coceira em seu tórax e uma leve falta de ar.


Nossa saturação estava boa, providenciamos um aparelho para fazermos o acompanhamento em casa, a preocupação é grande.


Por minha vida não estimo muito, “Nas tuas mãos” meu amigo me diz, deixa a vida nas mãos de quem podemos confiar, no Altíssimo. Minha mente se perde em pensamentos ruins com o que pode acontecer com minha amada mãe e irmã. Respectivamente asmática e com problemas cardiovasculares.


Não posso me esquecer do meu sobrinho de um ano e meio apenas, sei que a vida e o mundo são injustos, mas tento manter a justiça reinante ao menos pros que estão ao meu redor, dar dignidade de vida humana aos outros.


Minha noiva, que tem sido desde o começo meu alicerce me ajuda a não temer e eu junto dela a ajudo a se manter firme. A morte é certa e se ela vier por esses dias, que seja com dignidade e não como animais irracionais com medo e acuados aos cantos, escondidos dos olhos dos outros.

Só não permito e aceito que a morte chegue aos que citei acima, minha ansiedade brinca com minha mente e me faz viajar para os fins mais cruéis. Me leva ao sentimento da morte e a incerteza do pós-morte. Por mais que tenha fé, ela não se equipara com um grão de mostarda se quer.


A fragilidade de minha mente é tão grande, porém todos os meus surtos me ensinaram a lidar com as explosões da fera que vive em mim. Me ensinaram a domar o sentimento de morte e a saborear esse medo que assola a humanidade de uma forma que eu possa ao menos suportar.


Eis o problema. Aprendi a suportar a ideia da minha morte, aprendo a cada dia, em cada vez que a fera em mim bate à porta e grita com furor em meus ouvidos que a ansiedade há de me devorar. Porém nunca trabalhei a ideia da morte dos que amo.


Quando o Caio, meu amigo e irmão partiu com apenas 24 anos, fiquei sem chão, confesso que até hoje é um fato que toca meu peito e tira doloridas lágrimas de meus olhos.


Tudo isso por um amigo próximo. E se for a mulher que meu deu a vida? E se for a irmã que ajudou a criar e desenvolver quem sou hoje? E se for meu sobrinho que tem uma vida toda para descobrir o mundo e a humanidade? Pior, se for a mulher que amo, a mulher que há de gerar em seu ventre os filhos que tanto peço a Deus?


Aqui há meu pavor.


Dói no mais íntimo de minha alma esses pensamentos, porém preciso lidar. O nervosismo nos atrapalha no tratamento do mal da COVID 19, traz falta de ar e desvia nosso sistema imunológico de lutar contra esse vírus e o leva a lutar contra si mesmo, seu maior inimigo.


Dias melhores virão, creio nisso. Mas até lá, hei de lutar fervorosamente, até que eu tenha forças.



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